Mercados importadores de grande porte estão intensificando a regulamentação, mas especialistas alertam que o custo da transição não deve recair exclusivamente sobre os produtores.
O Brasil tem a chance de capitalizar sobre a crescente demanda por produtos regenerativos, que são derivados de práticas agrícolas sustentáveis que minimizam o impacto ambiental e contribuem para a restauração dos ecossistemas.
Graças à sua vocação natural para a agropecuária e ao clima favorável, o país está bem posicionado para implementar em larga escala práticas regenerativas que promovem a saúde do solo, aumentam a biodiversidade e tornam as culturas mais resistentes às mudanças climáticas.
Entretanto, especialistas em sustentabilidade e líderes do setor agropecuário ressaltam que a viabilidade da agricultura regenerativa depende de investimentos significativos, da colaboração entre os diferentes setores da cadeia produtiva e da participação ativa do mercado financeiro.
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Durante o evento “Futuro Regenerativo: O Agro como Solução Climática”, promovido pelo portal Reset, Maira Lelis, produtora rural e sócia da Fazenda Santa Helena, compartilhou que a transição para práticas regenerativas surgiu da necessidade de aumentar a produtividade em uma produção estagnada, mesmo após a implementação de técnicas como plantio direto e rotação de culturas convencionais.
“Percebemos que era hora de mudar o sistema”, declarou. “Aprendemos a realizar uma verdadeira rotação, utilizando um mix de plantas de diferentes espécies que cuidam do solo, mantendo-o coberto e enriquecendo-o com uma variedade de nutrientes.”
Apesar dos progressos alcançados, Lelis destacou as dificuldades enfrentadas pelos produtores: “Isso requer um investimento significativo: equipamentos adequados, sementes, conhecimento e tecnologia. Não temos incentivos; o único que recebemos atualmente é em relação à produtividade.”
Indústria e exportação puxam as exigências de sustentabilidade
Paulo Pianez, diretor global de Sustentabilidade da BRF/Marfrig, destacou que as grandes indústrias exportadoras estão enfrentando requisitos cada vez mais rigorosos em relação a critérios ambientais, sociais e de governança (ESG).
“Nossos padrões são bastante elevados, pois somos exportadores. Exigimos áreas livres de desmatamento, sem produção em terras indígenas ou quilombolas, sem trabalho escravo ou infantil e sem embargos – isso é o básico”, listou Pianez.
“Transformar tudo isso em prática é o verdadeiro desafio. As exigências estão crescendo, especialmente por parte de investidores e instituições financeiras, na forma de concessão de créditos.”
Ele observou que, embora o consumidor final ainda não exerça uma pressão significativa por práticas sustentáveis — focando mais em aspectos como segurança, qualidade e preço —, os grandes mercados importadores, como a União Europeia e a Ásia, já estão aumentando a regulamentação.
“Precisamos atender a essas demandas. Temos a tecnologia e o conhecimento necessários, mas precisamos de escalabilidade e recursos financeiros.”
Pianez também ressaltou que a produção regenerativa deve ser economicamente viável: “Não há como falar em produção sustentável se ela não for lucrativa.”
Cadeia produtiva precisa distribuir riscos e compartilhar valor
André Germanos, gerente de Negócios de Carbono e Agricultura Regenerativa para a América Latina da Archer Daniels Midland Company (ADM), que é uma das líderes globais em processamento de alimentos e comercialização de commodities, apresentou uma visão abrangente da cadeia produtiva, destacando que tanto a agricultura quanto a indústria de processamento enfrentam desafios na adoção de práticas regenerativas.
“A resposta da cadeia varia em termos de ritmo e características dependendo da região”, afirmou. Germanos argumentou que o custo da transição para uma agricultura sustentável não deve recair apenas sobre os produtores: “É fundamental distribuir esses custos por toda a cadeia e unir esforços.”
Ele também enfatizou a necessidade de envolver o mercado financeiro e o setor de seguros para facilitar a implementação das práticas sustentáveis. “Precisamos criar valor para todos os envolvidos”, afirmou. “Como podemos integrar o mercado financeiro, o setor de seguros e os insumos biológicos? É essencial catalisar forças, coordenar ações e identificar sinergias.”
Além disso, Germanos apontou que a coleta e o registro de dados para evidenciar a evolução das práticas ainda apresentam altos custos. Muitos agricultores e cooperativas enfrentam dificuldades financeiras para investir em equipamentos de monitoramento, softwares de análise e mão de obra especializada necessária para coletar e interpretar dados eficientemente.
“É crucial registrar e estabelecer indicadores-chave (KPIs) que comprovem o que já sabemos: que o agro é sustentável.” Para isso, segundo ele, é necessário investir em tecnologias mais acessíveis e na capacitação técnica dos agricultores, permitindo-lhes coletar e analisar dados de maneira eficaz para demonstrar a sustentabilidade de suas práticas.